terça-feira, 1 de julho de 2008

Felicidade


Caríssimo leitor, primeiro você vai achar esse texto longo, mas "por favor leia"!!! segundo, talvez você ache dispensável intitular esse artigo com um nome que de tão sublime pode ser jogado na vala da incredulidade. É, porque agora tudo corre sério risco de ser banalizado num mundo insistentemente igual que nega a singularidade.Mas dois episódios no âmbito esportivo deixaram-me encantado: A primeira foi acompanhar a final da Eorocopa Uefa entre Alemanha e Espanha e a segunda rever os melhores momentos de Suécia e Brasil na final antológica de 1958.

Não, não estou exagerando, felicidade existe e surge de forma mágica, no domínio perfeito de uma bola, num lançamento milimétrico, em dribles sequenciados na direção do gol, na gana de desarmar o adversário e iniciar um contra-ataque, no chute certeiro ou na defesa espetacular. Estava com saudade do triunfo da justiça no futebol. Para o bem do esporte a justiça foi feita com a Alemanha tradicionalíssima que mais uma vez, mostrou que é uma das escolas mais importantes do futebol mundial.

Desacreditada há quatro anos, se renovou e hoje os dicípulos de Fraanz Beckembauer, Klaus Heinz Humenigge e Mathaüs desfilam o mesmo futebol vigoroso, objetivo e perigoso que o mundo aprendeu a aplaudir. Os alemães estão mais maduros do que na última copa e deram mostra deste novo momento já no jogo contra a Turquia quando bateram "os soldados de Istambul" num jogo emocionante.
E a Espanha, o que dizer da "Furia Roja". Com uma história marcada de traumas e fracassos em que começava sempre bem e desandava no final, a Espanha estava afinada e pronta para vencer a competição. Recordo aqui da Copa de 1986 no México. Na partida contra o Brasil os espanhóis jogaram melhor e tiveram um gol legítimo anulado, depois de um chute do meia Michel que bateu no travessão e dentro do gol enganando o juiz da partida. Nesta mesma copa a seleção "andaluz" não tomou conhecimento da Dinamarca, até então "Dinamáquina" que vinha literalmente jogando bonito e "atropelando" os adversários com os irmãos Laudrup e cia. Naquela partida histórica, a Espanha venceu a "sensação" do Mundial de 1986 por 4 a 1 com os quatro tentos marcados pelo atacante Butragueño.

Bom, quem ainda tinha dúvidas sobre a força da seleção espanhola, se convenceu nesta Eurocopa: futebol mágico de passes envolventes, triangulações que davam "vertigens" nos adversários, dribles desconcertantes, toques refinados, gols lindos e uma equipe que ignorava o medo. Personalidade forte e afinada como uma orquestra. A Espanha parecia uma escola "latino americana", criativa e com algo mais: raça e conjunto. O técnico Luiz Aragones, soube armar muito bem o seu time, com dois zagueiros jogando em linha, dois laterais fortes na marcação e no apoio. No meio campo o melhor segredo. O volante brasileiro Marcos Senna, desarmando como "um leão de chácara" e saindo para o jogo com a mesma desenvoltura, Xavi fazendo o papel do segundo volante e armando como um meia, Iniesta pelo lado direito e David Silva pela esquerda eram rápidos e descobriam espaços onde "não existiam", desnorteando os adversários.

Na frente o excepcional Villas driblava, corria, chutava e marcava como um lobo insaciável. Do outro lado "El Ninõ" Torres parecia uma aguia, pronto para o ataque certeiro, como no gol da vitória contra a Alemanha. A Espanha deu uma "aula espetáculo" de futebol. O exemplo serve para alertar aos brasileiros que insistem em jogar como a maior parte das seleções europeias de antigamente. Futebol, sofrível de "cintura dura" e sem imaginação.

E por falar no Brasil tive a alegria de rever os heróis brasileiros da Copa de 1958. A TV Cultura mostrou os melhores momentos da final contra a Suécia. Sem querer apelar para a pieguice nostálgica, fiquei boquiaberto com a exibição "dos mestres" da bola. Como a maioria dos brasileiros só conseguia acompanhar alguns poucos lances em preto e branco daquele jogo memorável, quando as emissoras de televisão exibiam alguma matéria. Confesso que ao acompanhar os melhores momentos ví muita coisa que nenhum narrador ou comentarista falou. Procurei assistir aos lances como um cético para tentar fazer um melhor julgamento do que teria sido aquela geração. Fui surpreendido.

É mentira a idéia de que tudo era mais fácil no futebol, de que só o Brasil jogava. A seleção canarinha era "orgulhosa" no bom sentido, os jogadores tinham amor e sabiam o que representavam, eram "intelectuais de chuteira" que conheciam o valor de fazer as coisas certas, com talento e sentimento.

O goleiro Gilmar era rápido e ágil não só nas defesas que fazia como na reposição de bola(com a perna esquerda), Djalma Santos, uma saúde de ferro. Jogador viril, excelente na marcação, técnico e forte para apoiar.O arremesso lateral parecia um chute. Belinni, o capitão, seguro nas intervenções por baixo e ótimo por cima, sem falar na "autoridade" que exprimia dentro de campo. Orlando Peçanha, quarto zagueiro que sabia sair jogando e chegava para apoiar o meio campo. Nilton Santos, elegante, espírito de liderança, inteligente e esperto. Zito, volante moderno e corajoso, defendia e apoiava com personalidade. Didi, poderia chamá-lo de a "insustentável leveza do ser". Fino no trato com a bola, lançamentos perfeitos de "três dedos", destreza na cobrança de faltas, como na famosa "folha seca" e autor de um dos gestos mais nobres que ví no futebol.

O Brasil em desvantagem contra a Suécia, toma o primeiro gol e Didi como "um príncipe", pega a bola no fundo das redes, levanta a cabeça e sai com a esfera debaixo do braço até o centro do campo, como se nada tivesse acontecido.O gesto que valeu mais do que mil palavras ou quinhentas sessões com um psiquiatra. Zagallo, era "o ponta falso" de Feola que mais tarde seria copiado por outros técnicos, futebol discreto, jogava para o time e aparecia de surpresa na área. Na frente, o trio maravilhoso, Vavá, atacante forte, guerreiro e moderno que não ficava parado como ponto de referencia, aparecia para receber, servia de pivô nas jogadas de ataque, trombava quando era necessário e marcava gols como uma flecha certeira.

Na ponta direita a genialidade do "anjo de pernas tortas", inventando dribles, enchendo de pavor os marcadores, "os "joões", como costumava chamá-los, desconstruindo regras e se divertindo a valer. Garrincha era um poeta da bola. Ele fez versos e foi cúmplice da bola, até na "apoteose do futebol mundial". Pelé, o menino de três corações com apenas 17 anos, jogando como um mestre, ensinando quais eram os fundamentos do futebol e emprestando a sua genialidade juvenil para encher de felicidade milhões de corações em Estocolmo, no seu país e no resto do mundo.
J.Menezes

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