segunda-feira, 24 de maio de 2010

O povo e a overdose festiva no Vale

Com o carnaval de Juazeiro em maio teremos uma mudança significativa no circuito de festas no Vale do São Francisco. A questão é que todo mundo sabe que há um custo alto na realização de festividades de largo. O ônus não é apenas do poder público, mas da população. A impressão que fica é que o carnaval é só de Juazeiro e o São João só de Petrolina. Olhando desse ponto de vista e sem ser muito racional parece uma decisão fácil e sem conseqüências. É perfeitamente possível realizar os dois eventos na seqüência. É certo que historicamente o carnaval de Juazeiro sempre teve a presença significativa do público de Petrolina. Os juazeirenses também comparecem ao São João de Petrolina, mesmo que não seja na mesma proporção da “invasão pernambucana nas avenidas de Juazeiro”. Essa constatação é tão flagrante que nos últimos anos tem sido comum dizer que: a cidade pernambucana faz o São João e Juazeiro o carnaval. Foi uma maneira “silenciosa” de evitar a concorrência regional, que poderia criar um clima de revanchismo desnecessário?

O calendário festivo já havia sido mudado na “terra de João Gilberto” para evitar uma concorrência com o carnaval de Salvador, mesmo Juazeiro ostentando uma tradição positiva de realização do maior carnaval do interior da Bahia, além de ser o berço natal de artistas de renome da MPB como João Gilberto, Ivete Sangalo e Luiz Galvão. Em 2010 uma nova mudança, talvez a mais comentada. A festa passa a ser realizada em maio, portanto um mês antes do São João. A gestão municipal havia manifestado o desejo de não realizar o carnaval antecipado alegando dificuldades orçamentárias. Aliás, essa não é mais uma novidade em orçamentos cada vez mais apertados e controlados em nome das políticas públicas e melhor fiscalizadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mudar a data para maio pareceu mais uma solução privada do que pública. Mas será que foi levada em consideração que as duas comunidades também têm orçamentos apertados? Houve alguma reunião entre as lideranças pernambucanas e baianas para discutir o tema? Ou prevaleceu o critério do apelo privado? Ora o maior objetivo de grandes festas como o carnaval é o lucro. Já faz muito tempo que carnaval e o São João deixaram de ser “festa do povo”. Elas integram o circuito anual mercantil da indústria cultural. Para se ter uma idéia do custo é só perguntar qual o cachê de uma das grandes estrelas do axé e comparar o valor com o poder aquisitivo de um trabalhador médio. A comparação é óbvia e absurda? Talvez, mas o resultado é mesmo desproporcional e não deixa dúvidas. Essa provocação é somente para chegarmos num ponto. O público das duas cidades suporta duas festas, uma na seqüência da outra, quase sem trégua?

Não seria prudente uma explicação simplista e desprezível bem típica da tradição romana "pão e circo” ou “o povo gosta é disso mesmo e não está preocupado com o resto”. Uma coisa é certa: o povo gosta realmente de festa e isso é muito saudável, mas ouso perguntar, porque não ofende: as duas comunidades festeiras suportam "a gastança. dos dois eventos seguidos? Qual o custo financeiro e o impacto econômico para as duas comunidades? Até onde vai a responsabilidade da gestão pública nessa questão? Não vamos esquecer que os efeitos da crise econômica ainda persistem. Um outro argumento ao meu ver também simplista pode afirmar que todo folião que vai a um evento tem o livre arbítrio para ir ou não? E os jovens? A maioria pensa assim?

Se o carnaval foi privatizado é uma questão que diz respeito aos empresários do carnaval e também ao poder público que aprovou. No entanto, é preciso pensar na população que nem sempre age com bom senso. A história prova isso. Muitas vezes é manipulada em nome de um apelo. Age quase sempre pelo senso comum e aceita o que é imposto porque quase sempre não sabe contestar. As estratégias midiáticas e a produção de sentidos estão ai para potencializar as paixões humanas. Cabe aos poderes públicos atenção e prudência em aceitar ou não as decisões tomadas à revelia do interesse popular. Há um risco iminente de termos no futuro uma espécie de esgotamento de eventos por conta de decisões irrefletidas. É só avaliar quantas casas de shows já abriram e fecharam nas duas cidades.

Se as festas populares também tem o efeito de gerar e renda e empregos temporários. não restam dúvidas que é importante para a economia. Hotéis, restaurantes, bares, transporte, barraqueiros, vendedores ambulantes, artistas, aguardam o ano interior por uma oportunidade de melhorar a renda, mesmo que seja temporariamente e fazem planos para isso. Mas terão quem compre os seus produtos como nos anos anteriores? O mercado temporário do carnaval e do São João não serão prejudicados tão próximos um do outro? Quem pagará mais caro com tal decisão? Juazeiro ou Petrolina? Uma coisa é certa as comunidades precisam ser levadas em consideração em decisões complexas.

A experiência pode ser o maior sucesso de todos os pontos de vista, mas é preciso fazer um balanço depois da festa e saber se valeu à pena. Se valeu à pena não só para os investidores da festa, mas, sobretudo ter o cuidado e avaliar se não inflacionou e "avariou" a economia local. É preciso analisar se a população não "pagou o preço" da "overdose festiva", desequilibrando o orçamento fragilizado de uma população que não têm o mesmo poder aquisitivo do Sudeste ou do Sul do Brasil. Depois de filtrar tudo isso é necessário pensar quem deve ser o maior o interessado nessas festas tradicionais: grupos empresariais, políticos ou a coletividade? Afinal Carnaval e São João também influenciam a economia e os humores da população. No caso regional, a intenção de mudar a data da festa momesca pode ter sido boa, mas é preciso ter a coragem de refletir depois se a "tacada” foi certeira ou se foi "um tiro foi no escuro”.


J.Menezes
24/05/2010

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