terça-feira, 11 de maio de 2010

A LISTA DE DUNGA

Eis a lista de Dunga. Prevaleceu o pensamento do treinador. Não podemos dizer que a seleção é previsível. Dunga provou "com resultados" que é possível jogar com um time mais normal e vencer. O treinador obteve resultados positivos jogando com uma equipe, cuja força está no conjunto e que de fora de série mesmo só tem Kaká. Vejamos a conquista da Copa América, da Copa das Confederações, a bem sucedida participação nas Eliminatórias e amistosos com seleções tradicionais como Inglaterra, Itália e Portugal. Não há o que contestar em termos de triunfo. O balanço é favorável ao treinador até mesmo nas competições em que o Brasil atuou desfalcado de jogadores importantes como foi a Copa América.

A equipe conta com uma defesa sólida (sem definição da lateral esquerda), Com Lúcio e Juan, além do experiente Luisão e do potencial incontestável de Thiago Silva, um meio campo sem jogadores brilhantes (exceto Kaká), mas que já entendeu a filosofia do jogo coletivo e da força que valoriza a marcação. Parece contraditório o jeito do Brasil jogar assim, já que todas as equipes que enfrentam a seleção verde e amarela esperam sempre serem atacadas o tempo todo e geralmente ficam postadas na defensiva.

Historicamente o Brasil é ofensivo, mas adotou a partir de 1982 uma postura mais prudente, muito criticada mesmo com a conquista do mundial de 1994. As equipes a partir daquele ano passaram a adotar um cuidado maior com a marcação no meio campo. Até Telé Santana, adepto convicto do futebol arte e ofensivo escalou na Copa de 1986, os volantes de contenção, Elzo e Alemão. Na Copa de 1990, Sebastião Lazaroni escalou além de dois volantes (Dunga era um deles), um líbero (Mauro Galvão), até então impensável no futebol brasileiro.

A cobrança por um futebol vistoso é compreensível no país que elegeu o futebol como uma válvula de escape do cotidiano. É que do futebol brasileiro sempre há essa expectativa da fantasia, de um futebol diferente, de dribles, tabelinhas, toques de classe, magia e gols antológicos. Mas essa tese está perdendo espaço entre os treinadores brasileiros que hoje estão mais interessados em resultados.O técnico do Botafogo Joel Santana deu uma resposta a um repórter que explica bem essa tendência. O repórter queria saber como ele(joel) iria parar o “peixe”. “Meu filho, esse negócio de jogar bonito e não ganhar não garante o emprego”. Ele se referia ao confronto com o Santos de Dorival júnior que aliás, é até agora a sensação desse ano. Mas em relação à convocação de Dunga, para quem gosta do "futebol bonito", a sensação foi de uma ponta de decepção. É parte de nossa cultura. Garrincha, Leônidas da Silva, Ademir da Guia, Ronaldinho Gaúcho entre tantos outros, personificam essa tese e corroboram a tradição.

Não há como negar, Dunga foi fiel às suas convicções. Valorizou o grupo com que já vinha trabalhando nos últimos três anos e meio. Ele sinalizava esse pensamento sempre que concedia entrevistas. Escolheu um ataque eficiente, mas sem o "fogo sagrado" das academias de futebol. Robinho, Luiz Fabiano, Nilmar e Grafite são goleadores reconhecidos, mas sem a singularidade dos “fora de série”. Mesmo assim não deve ser subestimado, tem o seu valor.

O que mais me surpreendeu foi o fato de Dunga não ter reservado uma das vagas de meio campo para um jogador com características de armador clássico. Kaká é um homem de velocidade, arranque e conclusão, seria uma "flecha" e não o arco no momento da batalha campal. A seleção precisava de alguém que sabe segurar a bola, armar, enxergar os espaços vazios e dar assistência aos atacantes. É possível jogar sem um jogador com essas características, mas o time fica desequilibrado jogando “em dois tempos”, ou seja: a bola não passa pelo meio campo. É o que na linguagem folclórica do “futebolês”, é conhecido como o “bumba meu boi”. Bolas alçadas na área, mas sem direção ou objetivo.

O Brasil vai atuar sem um meia criativo que possa jogar a partir da intermediária com o Kaká, deixando a “bola limpa” para os homens de frente. Felipe Melo e Ramires até sabem distribuir, mas não são especialistas na arte de antever as jogadas a partir da visão de jogo e do campo. É pouco para a seleção que mais participou de mundiais, que revelou craques de meio campo do nível de Didi, Rivelino, Tostão, Gerson, Sócrates, Falcão, Zico e Rivaldo. Vai faltar o passe magistral, o toque fatal, a visão de jogo de um desses gênios. Esse jogador não existe hoje na seleção e o time vai depender muito do meia do Real.

Quais são as opções do treinador caso Kaká não esteja cem por cento? Deslocar Daniel Alves para o meio? É um jogador versátil, mas não tem a característica do maestro. Alia força, marcação, técnica e velocidade, mas não tem o perfil para a posição. Júlio Batista? Pouco provável porque se transformou num curinga esforçado e normal. Kleberson e Elano são volantes para serem escalados numa situação muito mais tática do que numa função eminentemente ofensiva. Ronaldinho poderia ser a segunda opção. Mas está fora. Gilberto saindo da lateral e passando a atuar no meio como no Cruzeiro? Talvez seja uma possibilidade num momento crítico. Recuar Robinho para a meia? Quem sabe ele possa realmente provar que é mais que um bom jogador. Acho que apesar dos problemas físicos do craque do Real e da má fase, Kaká é o brilho da Canarinha.

Em relação à Ronaldinho, a gritaria da torcida é mais pela ausência de um jogador de meio com as características já enumeradas do que propriamente pelo que o meia do Milan vinha jogando. O fato é que tanto Ronaldinho quanto Adriano relaxaram demais num momento em que todos esperavam e torciam pela ascensão. Pareciam sempre entediados com o futebol. Em relação ao jovem Ganso não havia nenhuma garantia de que a revelação santista poderia fazer esse papel, apesar do talento e do futebol fino que vinha apresentando, até porque a Copa do Mundo é outra história. Ganso não foi testado. É preciso dizer que ele e Neymar não foram bem na Seleção Sub Vinte, desclassificada na primeira fase do Mundial do Egito. Se bem que esse argumento não serve como prova inconteste que não iriam bem na seleção principal. Ganso era uma esperança, mas não uma convicção, Neymar idem.

Vejo que a seleção de Dunga é parecida com a de 1994, comandada por Parreira e pode conquistar o título com méritos. A diferença pode ser o fato do time de Dunga não contar com um Romário. O time escolhido em 2010 pode até ser campeão, mas certamente faltará à novidade, Faltou nesta seleção uma sensação, mesmo que fosse para o futuro e era isso que o torcedor queria. Ganso ou Neymar seriam o Ronaldo de 1994 ou o Kaká de 2002. Talvez, Kaká de 2010 possa ser o Bebeto de 16 anos atrás, mas faltará ainda assim uma peça singular. Será o Robinho? Improvável.

Tenho uma certeza, a de que Dunga vai cumprir a sua promessa de um time aguerrido, competitivo, afinal é o Brasil que estará em campo na África do Sul e eterno favorito em qualquer disputa. Está passando agora por minha cabeça um filme, o da Copa de 1982. A sensação mistura encantamento e tristeza. Infelizmente as lembranças não são apenas pela beleza e magia do futebol bonito, mas também pela derrota. Daquela tarde triste de Sarriá na Espanha, tirei lições e confesso que já não tenho tantas ilusões de um futebol vistoso, artístico e mágico.

Desse ponto de vista, a seleção de 82 ainda incomoda e muito por muitos motivos. O argumento que persiste até hoje, de que é melhor vencer jogando feio, do que jogar bonito e perder ainda sufoca os poetas e amantes do futebol arte. Da minha parte estou domando minhas emoções e torço ainda pelo futebol bonito. Mas as respostas dos críticos não dá trégua é sempre instantânea, calculista, fria, dolorida e implacável. “Contra fatos não há argumentos”. Nada tenho contra uma boa defesa. Mas prefiro ainda insistir com teimosia e acreditar que é perfeitamente possível armar um bom sistema de marcação e manter um time equilibrado, sem sacrificar a arte do futebol.


J.Menezes
11/05/2010

0 comentários: