domingo, 23 de março de 2008

CRÔNICA: UM RIO DUAS CIDADES E A DIVERSIDADE


Não chega a ser inédito, mas a proximidade entre Juazeiro e Petrolina nos remete a toda uma produção cultural contando em verso ou prosa esse "capricho do destino". Razão maior das duas cidades, o Rio São Francisco que de tão fecundo para o Brasil e em especial para os ribeirinhos de sete estados do Nordeste, chega a se transformar numa instituição sagrada. O "velho Chico" é trabalho, devoção e inspiração para os barranqueiros. O manancial "é pai e mãe de "vidas Severina e também prósperas"". Fator de integração nacional, mas também do cisma da transposição.

De um lado a cidade baiana, Juazeiro, emancipada primeiro, um flagrante do estado de espírito baiano com peculiar espontaneidade, com as ruas estreitas no centro antigo, a melancolia poética do Angarís e seus pescadores e lavadeiras que ainda resistem ao progresso, mantendo viva uma cultura muito peculiar do Século XIX, que o cantor e compositor Edésio Santos transformou em canção. Os traços vivos da navegação e da ferrovia, marcos do desenvolvimento regional do início do Século XX. Juazeiro das tradições e ousadias carnavalescas, Juazeiro que se notabilizou como "a terra dos artistas" que "pariu para o Brasil", um dos pais da "bossa nova", João Gilberto, um dos tropicalistas, o compositor Galvão, autor de um clássico internacional "preta, pretinha". Juazeiro da frivolidade, expressada no carisma de Ivete Sangallo. Juazeiro das lendas, das morenas "cachopas" de Edésio Santos.

Do outro a Petrolina que surge imponente da caatinga, no alto sertão pernambucano desbravado pelos tropeiros que tangiam tropas de mulas e manadas de gado do Ceará e Piauí para a Bahia e Sudeste. Da "Passagem do Juazeiro", nasce um vila e mais tarde uma cidade forjada pela influência da igreja católica. Petrolina das profecias de Dom Malan, da freira alemã Tereza Newmann, do Monsenhor Ângelo Sampaio e de Robert Mcnamara. Petrolina evoluiu, estética e economicamente, ganhou importância política e se transformou numa "fênix sertaneja" com um certo ar cosmopolita, sem perder as características regionais, referencia nacional da produção agrícola, centro de convergência no Vale do São Francisco. Petrolina de Geraldo Azevedo e suas cantigas, da "dama do barro", Ana das Carrancas.

Juazeiro e Petrolina são diferentes sim, cada uma com uma energia diferente, com "o seu estilo próprio" na arquitetura, no jeito de ser do povo, mas Juazeiro e Petrolina também se assemelham, no sotaque, nos dizeres populares, nos interesses comuns como a ponte Presidente Dutra, nos ambientes educacionais e culturais, na produção agrícola, a ocupação dos postos de emprego, nos relacionamentos pessoais. Há uma interdependência, flagrante no "vai e vem" das pessoas que aos poucos vai enterrando a idéia de bairrismo "tão relevante" no passado. A percepção desse caráter multicultural não é apenas de quem vive aqui, mas, sobretudo no "olhar forasteiro". Basta citar alguns exemplos de compositores, poetas, escritores e artistas plásticos que não resistiram ao encanto de uma situação que se não é atípica é instigante. Duas cidades "não separadas, mas unidas por um rio".

Duas culturas, localizadas em dois estados diferentes, seguindo caminhos distintos, noutras vezes semelhantes, entrelaçadas por tantos pontos em comuns e ao mesmo tempo tão particulares. Na década de 1940, a escritora Rachel de Queiroz esteve fazendo uma visita ao vale e escreveu um artigo mostrando o quanto encantada tinha ficado com a região, especialmente com "a beleza" de Petrolina, "redes alvas e a comida boa". Em 1973 Caetano Veloso veio participar de um festival e escreveu "o Ciúme", sucesso nacional. O compositor e cantor Jorge de Altinho escreveu "Juazeiro e Petrolina", sucesso gravado pelo Trio Nordestino, Morais Moreira gravou outro sucesso, na canção de autoria dele e de Geraldo Azevedo. As duas cidades têm uma importância indiscutível não só para a Bahia e Pernambuco, mas, sobretudo para o Brasil, como exemplos de municípios que superaram o atraso social e econômico e assim mudaram o destino, mas há ainda há muito que fazer para que as duas cidades se transformem em "ilhas de excelência".

Só acredito em desenvolvimento pleno se houver respeito aos bens imateriais. É preciso racionalizar o desenvolvimento, investir maciço na educação universal, investir em tecnologia, capacitação e criação de novos postos de trabalho, valorizar e preservar as manifestações culturais, superar o obscurantismo político, planejar e humanizar as cidades, estimular a cidadania, democratizar a comunicação, redistribuir renda e exercitar a justiça social. Penso que a frase, " O Egito é uma dádiva do Nilo", dita pelo "pai da História", Heródoto, vale também para as duas cidades. Juazeiro e Petrolina são dádivas do São Francisco.

J.Menezes

7 comentários:

Roberto Neyva disse...

Seu blog pode e deve ser um instrumento de integração das duas cidades que as vezes se alfinetam as vezes se amam, como diz você: Diferentes e iguais.
Imagine dois prefeitos inteligentes e sensíveis em harmonia lutando pela futura metrópole do Vale do São Francisco. Vamos debater e estimular essa idéia.
É um sonho possível.

Roberto Neyva

Mário Pires disse...

Jota... bastante interessante. Verdadeiramente suas palavras traduzem o que existem nas duas cidades. Farei-me presente nas demais atualizações, seja, comentando, lendo, ou criticando. Parabéns! Grande Abraço.

Anônimo disse...

Jota, meu querido amigo... Só posso traduzir tua crônica com uma palavra: Perfeita!

Tradução pura e cristalina, como sua alma e seu olhar, destas duas cidades que são, sim, dádivas do Velho Chico.

Saudades imensas...

Bjo!

Renê Salomão disse...

o crescimento populacinal, citado no tópico MAIS GENTE, sinaliza para os desafios em que ambas as cidades vão enfrentar em um futuro próximo. E a crônica, UM RIO DUAS CIDADES E A DIVERSIDADES, aponta as diferenças e semelhanças dessas duas cidades MARAVILHOSAS.
Abraço.

Anônimo disse...

Gostaria de deixar os meus parabéns por essa crônica maravilhosa.
O blog está perfeito. Creio que os alunos de comnuicação e a população de Juazeiro e Petrolina estão com um espaço inteligente na internet, para poder se manter informado e tendo acesso à cultura local.

Joao Barbosa

Um grande abraço !!!

Anônimo disse...

jota, meu caro...

você conseguiu cronicizar (se é que existe esta palavra) juazeiro e petrolina como se o velho chico refletisse, na correnteza multicor, as palavras que escaparam de seus dedos...

até hoje me impressiono muito com as semelhanças e diferenças entre estas duas cidades. depois de passar dois anos em juazeiro, tenho experimentado agora a sensação de dormir em petrolina.

deveras, há diferenças muito demarcadas. isto só reforça a personalidade que cada cidade desenvolveu, mesmo que uma tenha nascido como passagem de outra.

hoje em dia, só a ponte é passagem. juazeiro e petrolina são portos, pousos de um desenvolvimento perigoso. por isso gostei muito de quando você citou o patrimônio imaterial, muitas vezes esquecido pela ânsia de transformar tudo em ponto comercial.

ainda existem coisas que não tem preço, como a leitura de uma crônica tão bem feita, numa madrugada quente do sertão brasileiro.

abraços, luís osete.

Anônimo disse...

Instigantes, são as palavras de Jota sobre a comunhão de Juazeiro e Petrolina em relação ao "velho chico" e sobre tudo o que ele proporciona aos ribeirinhos. O alimento do corpo e o alimento da alma.
Sua crônica, vai além do circunstancial, ela é um protesto poético em defesa da diversidade de Juazeiro e Petrolina, sem, com isso, passar a idéia de separação, muito pelo contrário, sua crônica uni e valoriza as duas cidades, acariciadas por Deus através do Rio São Francisco.

Um abraço.
Emiliana Carvalho